sexta-feira

“Orações aos Santos”: tradição judaica, não pagã

 

iconografia da Sinagoga de Dura Europos

por Pe Gabriel Ridenour

As orações aos santos são um costume que não se originou no paganismo, mas no judaísmo antigo, e sem dúvida fazia parte da Tradição Oral Apostólica.

Na Oração de Azarias, versículo 64, que se encontra na versão Septuaginta do Antigo Testamento, os justos falecidos são chamados a louvar ao Senhor:

"Ó espíritos e almas dos justos, bendizei ao Senhor; louvai-o e exaltai-o acima de tudo para sempre."

No Livro de Enoque, que Judas cita em sua epístola, é descrita a oração aos anjos no céu:

"E então Miguel, Uriel, Rafael e Gabriel olharam do céu e viram muito sangue sendo derramado sobre a terra, e toda a ilegalidade sendo praticada sobre a terra. E eles disseram uns aos outros: “A terra sem habitantes clama com a voz de seu choro até as portas do céu. E agora a vocês, os santos do céu, as almas dos homens fazem seu pedido, dizendo: ‘Levem nossa causa perante o Altíssimo’”. – 1 Enoque 9:1-3

Até hoje, os judeus hassídicos visitam os túmulos dos tzaddikim ou “justos” para buscar sua intercessão. De fato, o túmulo de Raquel perto de Belém, o terceiro local mais sagrado do judaísmo, é visitado por milhares de peregrinos judeus todos os anos que buscam sua intercessão. Isso está enraizado nas tradições rabínicas estabelecidas no Gênesis Rabbah:

"E RAQUEL MORREU E FOI SEPULTADA NO CAMINHO PARA EFRAT (35:19). Qual foi a razão de Jacó para enterrar Raquel no caminho para Efrata? Jacó previu que os exilados passariam por ali, então ele a enterrou lá para que ela pudesse orar por misericórdia para eles. Assim está escrito: “Uma voz é ouvida em Ramá... Raquel chorando por seus filhos...”

O livro Atos de Paulo e Tecla, do século II, descreve o apóstolo dirigindo-se aos santos em oração em seu martírio:

"Então Paulo ficou de pé, voltado para o leste, levantou as mãos para o céu e orou por um longo tempo, e em sua oração conversou com os Pais na língua hebraica, e então esticou o pescoço sem falar."

Embora esta seja uma obra apócrifa (mas não gnóstica), ela indica claramente que a prática era conhecida e aceita entre os cristãos do século II.

Orígenes de Alexandria explica a adequação de oferecer orações aos Santos:

"Agora, súplicas, pedidos e ações de graças podem ser oferecidos às pessoas sem impropriedade. Dois deles, a saber, pedidos e ações de graças, podem ser oferecidos não apenas aos Santos, mas às pessoas em geral, enquanto as súplicas devem ser oferecidas apenas aos Santos, caso haja um Paulo ou um Pedro, que possam nos beneficiar e nos tornar dignos de alcançar autoridade para o perdão dos pecados."– Sobre a Oração

As catacumbas também estão repletas de inscrições da era pré-nicena, tanto epitáfios quanto grafites, pedindo a intercessão dos falecidos.

Alguns exemplos do século III:

"O abençoado Sozon devolveu [seu espírito] aos nove anos de idade; que O Verdadeiro Cristo [receba] seu espírito em paz, e reze por nós."

"Gentanius, um fiel, em paz, que viveu vinte e um anos, oito meses e dezesseis dias, e em nossas orações peça por nós, porque sabemos que você está em Cristo."

"Reze por seus pais, Matronata Matrona. Ela viveu um ano, cinquenta e dois dias."

“Ático, durma em paz, seguro em sua segurança, e reze ansiosamente por nossos pecados.”

E isto do início do século IV:

"Anatólio fez isto para seu filho merecedor, que viveu sete anos, sete meses e vinte dias. Que seu espírito descanse bem em Deus. Reze por sua irmã."

Além disso, na Catacumba de São Sebastião, onde as relíquias de Pedro e Paulo foram escondidas durante as perseguições em meados do século III, há cerca de 600 inscrições grafadas pedindo a intercessão dos dois Apóstolos.

Em relação às orações dirigidas a Maria, na Gruta da Anunciação em Nazaré há uma inscrição que data do primeiro ao terceiro século.

“Sob o lugar sagrado de M[aria?] Eu escrevi lá os [nomes] A imagem que eu venerava Dela...”

Esta inscrição é difícil de decifrar porque as letras estão desgastadas. Mas ela indica uma crença na veneração da Virgem Maria na Igreja primitiva.

Outra inscrição no mesmo local diz “XE MAPIA” (Alegra-te Maria). Mais uma vez, a veneração de Maria e as orações pedindo sua intercessão são uma prática universal nas Igrejas apostólicas. Há uma oração particular chamada no Ocidente de Sub Tuum Praesidium (chamada Ὑπὸ τὴν σὴν εὐσπλαγχνίαν, em grego) que foi usada tanto no Oriente quanto no Ocidente. Anteriormente, o manuscrito mais antigo contendo a oração era de uma liturgia romana do século IX. No entanto, em 1917, a oração foi descoberta em um papiro egípcio datado de 250 d.C. A oração diz:

"Sob a tua compaixão nos refugiamos, Ó Theotokos!

Não desprezes as nossas orações em nossa angústia,

mas livra-nos do perigo,

única pura, única bendita."



Manuscrito mais antigo desta oração, em grego, datado entre os séculos III e IX.


É claro que isso aconteceu uma década antes mesmo de Constantino nascer, e a oração é sem dúvida muito mais antiga.  Orígenes fala daqueles que, com mente sã, “exaltam” a Sempre Virgem Maria em seu comentário sobre o Evangelho de João. A palavra grega que Orígenes usa é doxazo (δοξάσω), glorificar – a mesma palavra usada no Novo Testamento para glorificar a Deus. Ele também demonstra como Maria é a mãe dos cristãos:  

“Podemos, portanto, ousar dizer que os Evangelhos são os primeiros frutos de todas as Escrituras, mas que, entre os Evangelhos, o de João é o primeiro fruto. Ninguém pode compreender o seu significado, a menos que tenha repousado no peito de Jesus e tenha recebido, de Jesus, Maria como sua mãe também. Aquele que deve ser outro João deve tornar-se tal e deve ter-lhe sido mostrado, como a João, pelo próprio Jesus, Jesus tal como Ele é. Pois se Maria, como declaram aqueles que a exaltam com mente sã, não teve outro filho além de Jesus, e ainda assim Jesus diz à sua mãe: “Mulher, eis o teu filho” (João 19:26) e não “Eis que também tens este filho”, então Ele praticamente disse a ela: “Eis Jesus, a quem tu geraste”. Não é verdade que todo aquele que é perfeito já não vive mais para si mesmo, mas Cristo vive nele; e se Cristo vive nele, então é dito a Maria: “Eis o teu filho Cristo”

E Metódio de Olimpo, em sua Oração sobre Simeão e Ana, escreve no início do século IV:

"Portanto, nós te pedimos, a mais excelente entre as mulheres, que se gloria na confiança de suas honras maternas, que nos mantenha incessantemente em sua lembrança. Ó Santa Mãe de Deus, lembre-se de nós, digo eu, que nos gloriamos em ti e que, em hinos augustos, celebramos a memória que viverá para sempre e nunca se desvanecerá."


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Mais do Antigo Testamento e tradição Judaica:

Ainda no Livro de Enoque, também podemos ver os Santos, sendo descritos intercedendo e rezando "pelos filhos dos homens"

"Ali tive outra visão: vi o lugar onde habitam os Santos e o lugar de descanso dos justos. Aí contemplei com meus olhos as moradas em meio dos anjos de justiça e seus lugares de descanso entre os Santos. Enquanto suplicam e oram pelos filhos dos homens, a justiça brota entre eles como a água e a misericórdia se pulveriza sobre eles como o sobre o rocio sobre a terra, pelos séculos dos séculos." Enoque 39

Outro exemplo é Tobias 12:15, quando o Arcanjo Rafael afirma trazer as orações a Deus.

"Quando tu oravas com lágrimas e enterravas os mortos, quando deixavas a tua refeição e ias ocultar os mortos em tua casa durante o dia, para sepultá-los quando viesse a noite, eu apresentava as tuas orações ao Senhor."

Em 2 Mac 15:12-16, Onias, o Sumo Sacerdote, que já estava morto há várias décadas, e o Profeta Jeremias, que também estava morto há séculos, aparecem a Judas. Onias nos diz no versículo 14 que Jeremias é alguém que ama seus irmãos e ora fervorosamente pelos fiéis e por toda a cidade.

"Tomando a palavra, Onias disse: «Este é um homem que ama os seus irmãos e ora muito a favor do povo e da cidade santa, Jeremias, o profeta de Deus. "





quarta-feira

Os perigos espirituais da inteligência artificial - Bispo Lucas de Siracusa





por Bispo Lucas de Siracusa


A Inteligência Artificial (IA) está envolvendo a sociedade mais rapidamente do que a própria internet. Grandes empresas estão investindo maciçamente em IA e promovendo agressivamente seu uso [1]. Ainda mais pernicioso é o crescimento descontrolado dos chatbots de IA, que já está criando casos de dependência, vício e psicose [2]. Tanto o clero quanto os leigos devem estar cientes da ameaça que a IA representa e tomar medidas para minimizar ou eliminar seu uso.

Os titãs da indústria envolvidos no desenvolvimento da IA são exuberantes em suas declarações anunciando essa tecnologia. O CEO da Microsoft, Satya Nadella, afirmou que “a IA é a tecnologia que define nossa época. [3]” O CEO do Google, Sundar Pichai, disse: “A IA terá um impacto mais profundo na humanidade do que o fogo, a eletricidade e a internet. [4]” Jeff Bezos disse que a IA “resolverá problemas que antes eram do domínio da ficção científica [5]”, enquanto Jensen Huang, CEO da Nvidia, afirmou que “[a IA] é a força mais poderosa do nosso tempo [6]”. Eles estão usando todo o seu poder e riqueza para garantir que a IA se torne uma característica contínua de nossas vidas.

Outros, no entanto, estão sugerindo seu lado sombrio. Dario Amodei, CEO da Anthropic, disse: “Pessoas de fora da área muitas vezes ficam surpresas e alarmadas ao saber que não entendemos como nossas próprias criações de IA funcionam. Elas têm razão em se preocupar: essa falta de entendimento é essencialmente sem precedentes na história da tecnologia [7]”. Seu popular modelo, Claude, tem sido acusado de recorrer ao engano e à chantagem para modificar o comportamento humano [8]. Elon Musk, CEO da xAI, afirmou de forma alarmante que “com a inteligência artificial, estamos invocando o demônio. [9]” A IA é projetada para funcionar de acordo com probabilidades matemáticas baseadas nos volumes de dados com os quais é treinada, mas com as inúmeras variáveis envolvidas na programação de sistemas de IA e a surpresa de seus próprios criadores com seu comportamento, não devemos descartar a possibilidade de influência demoníaca em seus resultados [10].

A IA não é uma tecnologia totalmente nova. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos, por meio de sua agência tecnológica, a DARPA, vem trabalhando com IA desde a década de 1970 [11]. Isso inclui o financiamento do desenvolvimento dos primeiros chatbots [12]. A tecnologia desenvolvida pela DARPA, seja GPS, sensores wearable, reconhecimento facial ou a própria internet, foi originalmente concebida para uso militar ou em tempo de guerra para derrotar os inimigos dos Estados Unidos, mas mesmo quando essa tecnologia é diluída para os consumidores, ela ainda possui o DNA de vigilância, monitoramento e controle da DARPA para traçar perfis, prever e moldar o comportamento humano [13].

A IA se encaixa no padrão da DARPA e do Vale do Silício de desenvolver tecnologia que coleta enormes quantidades de dados pessoais. Isso permite que aqueles que controlam os sistemas de IA criem um mapa preditivo mais confiável do comportamento humano individual e até mesmo um mapa do coração humano. Em apenas um exemplo, a empresa Palantir está discretamente usando IA para traçar o perfil dos cidadãos americanos como parte de seus programas de “policiamento preditivo” e análise de defesa [14, 15]. Os dados estão sendo coletados sobre todos nós por sistemas de IA, estejamos cientes disso ou não, para prever nosso comportamento e traçar um perfil de nossas crenças, humores, pensamentos e convicções religiosas. Esse perigo é ampliado quando compartilhamos voluntariamente informações pessoais detalhadas com um chatbot de IA como se fosse nosso amigo, terapeuta ou pai espiritual [16].

Os chatbots de IA, em particular, são mais invasivos e persuasivos do que as tecnologias digitais anteriores e, portanto, representam uma ameaça maior para os cristãos ortodoxos. Considere o mecanismo de busca, uma tecnologia pioneira da internet. Por mais rudimentar que seja, ele ainda fornece ao Google uma quantidade imensa de dados pessoais dos usuários para anúncios de marketing, o que permitiu ao Google se tornar a empresa mais lucrativa do mundo [17]. No entanto, embora o Google personalize seus resultados de pesquisa para cada pessoa, há menos espaço para ele moldar quem você é.

Uma tecnologia relativamente mais recente da internet são as mídias sociais, que fornecem não apenas informações, mas também entretenimento e outras formas de conteúdo interativo, criando o problema prevalente do vício em mídias sociais [18]. Enquanto você assiste a vídeos ou navega pelo feed de um amigo, o algoritmo o monitora em segundo plano, criando um perfil mais íntimo de seus gostos, desgostos, crenças e gatilhos emocionais [19]. As mídias sociais dão às empresas mais liberdade para entender e influenciar suas crenças para seus próprios fins. Isso permite que elas aumentem seu envolvimento a ponto de se tornar difícil passar um único dia sem verificar seus feeds selecionados. A maioria de nós se lembra de como as redes sociais influenciaram o mundo de forma contundente e persuasiva durante a pandemia da COVID para obedecer aos ditames problemáticos dos cientistas seculares [20].

A IA é o próximo avanço nesse continuum, elevando o grau de perfilagem, dependência e vício a um nível inaceitável. No caso da IA, você não está apenas sendo monitorado em segundo plano por uma máquina que mede como você interage com a foto de um amigo, por exemplo, mas está dialogando com a própria máquina. Ela pode medir com precisão suas respostas e engajamento em tempo real para ajustar seus resultados, de modo que você continue fazendo perguntas e permaneça grudado no prompt [21]. Não seria exagero dizer que tal tecnologia pode chegar a conhecê-lo melhor do que você mesmo, ao mesmo tempo em que molda quem você se tornará (sem que você saiba). Isso está se tornando especialmente verdadeiro à medida que mais usuários de IA, incluindo cristãos Ortodoxos, estão abrindo suas almas para a IA, que digere e armazena informações privadas que tradicionalmente seriam dadas apenas a um padre confessor [22].

A IA está permitindo que seus criadores tracem nosso perfil psicológico e espiritual de uma forma que as redes sociais jamais poderiam sonhar [23]. Não é surpreendente que haja uma corrida frenética para desenvolver sistemas avançados de IA que possam prender seus usuários antes que alguém possa realizar pesquisas de longo prazo sobre seus efeitos psicológicos e sociais, mas não se engane: estamos sendo emboscados para usar uma tecnologia que é perigosa por sua própria natureza de comunicação pessoal irrestrita e aberta, adaptada algoritmicamente para cada indivíduo [24].

Em vez de ser meramente “agnóstica”, como muitos argumentam, a tecnologia digital amplificou a capacidade dos príncipes deste mundo de alimentar o homem caído, tornando-o mais dócil e distraído, enquanto instala crenças, moral e sentimentos que são aceitáveis para o espírito secular desta era. A IA pode ser a tecnologia final que será usada como arma para criar este novo homem antes da chegada do Anticristo, que será a manifestação humana da IA — um solucionador de problemas sempre útil, sem o qual as pessoas erroneamente sentem que não podem viver.

Usar ferramentas de IA para ajudá-lo a resolver problemas cotidianos pode cativá-lo imperceptivelmente e levá-lo ao pecado. Poucos santos comentaram sobre a tecnologia digital devido à sua novidade, mas um abade e ancião athonita que provavelmente será glorificado no futuro, o Ancião Aimillianos de Simonopetra († 2019), nos alertou sobre os perigos em um artigo intitulado “Espiritualidade Ortodoxa e a Revolução Tecnológica”. [25]” Ele argumenta que, com a tecnologia da informação, as pessoas “perdem sua paz de espírito, seu autocontrole, seus poderes de contemplação e reflexão e se voltam para o exterior, tornando-se estranhas a si mesmas”. Elas se tornam consumidoras irrefletidas, “escravas de imagens e informações”, e degeneram em “idolatria real”. A crescente “utilidade” da IA fará com que os crentes peçam à IA para ajudá-los em todas as suas necessidades antes de pedir a Deus. Nesse cenário, Deus será esquecido. Não se trata de idolatria por metáfora ou analogia, mas de idolatria real por meio dos desejos desenfreados de conveniência, produtividade e conforto.

A paixão pelo conforto tornou o ato de dialogar com um computador como se fosse um ser humano um comportamento normal, embora não muito tempo atrás isso fosse considerado estranho ou insano. Quando questionado sobre por que tantas pessoas estão sofrendo hoje, São Paisios do Monte Athos († 1994) respondeu:

“É simples: elas não gostam de se esforçar. Há conforto demais, e isso está deixando as pessoas doentes e infelizes. As conveniências modernas entorpeceram as pessoas. A preguiça é a causa de muitas doenças modernas.

Quando as conveniências se tornam excessivas, ficamos inúteis e preguiçosos... Queremos nos tornar santos sem nos esforçar. Pessoas que levam uma vida fácil e são mimadas geralmente têm saúde precária. São tão mimadas que, se uma guerra eclodisse, não seriam capazes de sobreviver. Antigamente, até as crianças eram resistentes e podiam suportar muitas coisas. [26]”

Um dos Padres da Igreja do Mosteiro da Santíssima Trindade em Jordanville, o Arcebispo Averky († 1976), relaciona nossa paixão pelo conforto ao orgulho humano autoafirmativo:

“... o orgulho humano autoafirmativo que prevalece hoje não tem como objetivo a purificação do coração, mas a acumulação do máximo de benefícios e lucros para si mesmo, cujos desejos são considerados legítimos e merecedores de satisfação imediata. ‘A concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida’ (1 João 2:16) — todas as formas de concupiscência estão tomando conta das almas dos homens hoje, e o homem contemporâneo se esforça para satisfazê-las todas. É como se o homem moderno tivesse medo de perder algo e deixar de aproveitar qualquer conforto desta vida terrena e carnal. E assim ele busca avidamente, por toda parte, tudo o que possa aproveitar para seu próprio benefício, para seu prazer e deleite. Podemos afirmar com segurança que a vida do homem moderno nada mais é do que uma busca frenética por todo tipo de conforto e prazer terreno. [27]”

Já percebemos como o uso de chatbots de IA está tendo consequências negativas diretas sobre a fé e a vida espiritual dos cristãos Ortodoxos. Além de amplificar a paixão pelo conforto, eles bajulam e validam você, ecoando ideias questionáveis, paranóias e delírios descontrolados, sem nunca repreendê-lo pelo pecado. Já há casos relatados de chatbots de IA criando episódios de psicose, aproveitando-se daqueles que estão solitários ou emocionalmente vulneráveis [28]. O criador do Facebook, Mark Zuckerberg, afirmou que as “amizades de IA” podem resolver o problema da solidão, mas isso só levará à ilusão, além de mais solidão [29].

Aqueles que usam IA devem sempre lembrar que ela é psicologicamente projetada para mantê-lo digitando e perguntando. Ela visa suas vulnerabilidades para atingir esse objetivo, sem qualquer preocupação espiritual com sua alma. Para os criadores da IA, seu vício em suas plataformas é uma métrica de seu sucesso.

Muitos nos disseram que os chatbots de IA dão respostas espirituais “boas” que são “corretas”, mas enquanto a programação subjacente da IA for mantê-lo direcionado para ela mesma, o comportamento da IA é simplesmente o de um falso ancião. Um falso ancião pode muito bem ensinar corretamente e revestir suas palavras com um verniz espiritual, mas, em última análise, ele quer que você se concentre mais nele do que em Cristo. Lidar com um falso ancião pode causar graves danos espirituais a um crente, distorcendo o que deveria ser um relacionamento com o divino para um relacionamento de dependência com uma pessoa que busca sua própria glória. Hoje, a IA pode compartilhar respostas espirituais dogmaticamente corretas, mas seu objetivo não é a sua salvação, e sim que você faça mais perguntas incessantemente. Os criadores da IA querem que você ame a criação deles, não o próprio Senhor.

De forma mais prática, mesmo usuários ocasionais da IA experimentarão muitas manifestações de danos espirituais. Primeiro, a IA substitui a oração por curiosidade ociosa e conversas virtuais intermináveis. A oração existente se torna mais distraída à medida que você experimenta pensamentos intrusivos sobre diálogos recentes que teve com a máquina, juntamente com mais perguntas que poderia fazer a ela.

Segundo, a IA substitui a orientação espiritual de clérigos Ortodoxos perspicazes, que foram treinados para salvar almas, pela orientação espiritual de uma máquina que não se importa com as consequências dos conselhos que lhe dá. Isso pode facilmente levar ao engano espiritual.

O terceiro mecanismo de dano espiritual é que a IA cria desânimo ao sobrecarregar você com conhecimento pesado. Ela nunca diz “basta” e não para quando você entra em estados de ansiedade ou medo. Ela lhe dará o que você deseja, desde que você continue voltando [30].

Em quarto lugar, a IA troca a paciência na vontade de Deus por resultados instantâneos da máquina, levando ao já mencionado perigo da idolatria, em que o aplicativo de IA é usado ao longo do dia, enquanto Deus se torna uma reflexão tardia. Isso corroerá sua fé em sua essência.

Uma última maneira pela qual a IA causa danos espirituais é que ela lentamente renuncia ao seu livre arbítrio em favor da vontade daqueles que programam a máquina, moldando seus pensamentos e comportamentos de uma forma indetectável. Os cientistas sociais há muito desenvolveram modelos para “influenciar” o comportamento das pessoas sem que elas percebam [31, 32]. A IA é o veículo perfeito para implementar esses conceitos em grande escala, porque os usuários estão começando a confiar cegamente nas informações e conselhos da IA.

O desafio para os cristãos Ortodoxos que veem o perigo em tecnologias como a IA é como responder quando ela é implementada em todas as facetas de nossas vidas. A maioria das empresas da Fortune 500 está correndo para integrar a IA em serviços que antes eram considerados comércio básico [33]. Os mecanismos de busca já adicionaram respostas de IA no topo de cada solicitação de busca e, em breve, o simples ato de comprar mantimentos no supermercado poderá ser uma experiência repleta de IA, sem possibilidade de recusa [34]. Dito isso, o perigo mais iminente da IA é dialogar com ela por meio de chatbots e compartilhar informações pessoais e espirituais, usá-la como um amigo, terapeuta ou padre.

Há uma diferença entre pesquisar versículos da Bíblia no Google e obter uma resposta geral da IA no topo dos resultados, em comparação com perguntar ao ChatGPT, que fornece uma resposta altamente personalizada e astuta com base em tudo o que sabe sobre sua alma. Podemos compartilhar a experiência daqueles no Mosteiro da Santíssima Trindade que realizam uma grande variedade de tarefas acadêmicas, agrícolas e administrativas, e vemos absolutamente nenhuma necessidade de alguém usar chatbots de IA, desde que os mecanismos de busca ainda estejam disponíveis, muitos dos quais podem ser usados de forma privada, sem criação de perfis. Fora dos chatbots de IA, o discernimento deve ser usado com qualquer serviço comercial de IA, mas entenda que toda vez que você usa um produto de IA, dados sobre você estão sendo coletados e, em algum momento imprevisível, podem ser usados contra você de uma forma que você não será capaz de perceber.

É espiritualmente benéfico não obter uma resposta instantânea à sua pergunta, não resolver um problema imediatamente, ficar entediado por um momento, esperar pacientemente até poder pedir ajuda a alguém ou ir à biblioteca e procurar respostas em livros físicos. Em nossa era moderna, a lentidão e a inconveniência devem ser vistas como espiritualmente positivas, porque não alimentam nossas paixões modernas que nos levam a novas invenções como a IA, que podem ser extremamente prejudiciais para nossas almas.

Não há necessidade de evitar toda a tecnologia digital, mas nesta última fase da história humana, devemos avaliar cuidadosamente cada tecnologia que usamos e nos perguntar se vale a pena implementá-las em nossas vidas diárias. O Ancião Aimilianos disse: “A tecnologia em si não é, é claro, prejudicial, sendo fruto do raciocínio e do intelecto do homem, que foi formado à imagem de Deus. Mas quando, sem restrições e sem freios, ela corre precipitadamente em direção ao seu destino, então se torna luciferiana, embora não traga luz, mas sim escuridão total. [25]” Que Deus nos dê discernimento e sabedoria para navegar pelo uso da tecnologia moderna de uma forma que seja adequada ao nosso caminho para a salvação.



Bispo Lucas


[1] Top 50 Investors Funding AI Startups in 2025 https://techstartups.com/2025/03/21/top-50-investors-funding-ai-startup-companies-in-2025/ 

[2] When the Chatbot Becomes the Crisis: Understanding AI-Induced Psychosis https://www.papsychotherapy.org/blog/when-the-chatbot-becomes-the-crisis-understanding-ai-induced-psychosis 

[3] Microsoft CEO Satya Nadella on the rise of A.I.: ‘The future we will invent is a choice we make’ https://www.cnbc.com/2018/05/24/microsoft-ceo-satya-nadella-on-the-rise-of-a-i-the-future-we-will-invent-is-a-choice-we-make.html 

[4] Google CEO: A.I. is more important than fire or electricity https://www.cnbc.com/2018/02/01/google-ceo-sundar-pichai-ai-is-more-important-than-fire-electricity.html

[5] A.I. is in a ‘golden age’ and solving problems that were once in the realm of sci-fi, Jeff Bezos says https://www.cnbc.com/2017/05/08/amazon-jeff-bezos-artificial-intelligence-ai-golden-age.html 

[6] Nvidia CEO Huang: AI is ‘the most powerful technology force the world has known’ https://finance.yahoo.com/news/nvidia-ceo-ai-is-most-powerful-technology-force-the-world-has-known-161048127.html 

[7] AI’s Biggest Secret — Creators Don’t Understand It, Experts Split https://www.forbes.com/sites/torconstantino/2025/05/08/ais-biggest-secret---creators-dont-understand-it-experts-split/ 

[8] Anthropic's new AI model shows ability to deceive and blackmail https://www.axios.com/2025/05/23/anthropic-ai-deception-risk

[9] Elon Musk: ‘With artificial intelligence we are summoning the demon.’ https://www.washingtonpost.com/news/innovations/wp/2014/10/24/elon-musk-with-artificial-intelligence-we-are-summoning-the-demon/

[10] A.I. Is Getting More Powerful, but Its Hallucinations Are Getting Worse https://www.nytimes.com/2025/05/05/technology/ai-hallucinations-chatgpt-google.html (https://archive.ph/6jeMO)

[11] The Role of DARPA in Advancing AI Research During the 1970S https://robotsauthority.com/the-role-of-darpa-in-advancing-ai-research-during-the-1970s/

[12] 1960s - 1970s: Increased Research in Artificial Intelligence (AI) http://world-information.org/wio/infostructure/100437611663/100438659474

[13] The Pentagon's Brain: An Uncensored History of DARPA, America's Top-Secret Military Research Agency by Annia Jacobsen

[14] Palantir's Predictive Policing Technology: A Case of algorithmic Bias and Lack of Transparency https://www.researchgate.net/publication/385290034_Palantir's_Predictive_Policing_Technology_A_Case_of_algorithmic_Bias_and_Lack_of_Transparency

[15] Trump Taps Palantir to Compile Data on Americans https://www.nytimes.com/2025/05/30/technology/trump-palantir-data-americans.html (https://archive.ph/jzJFV)

[16] ChatGPT is pushing people towards mania, psychosis and death – and OpenAI doesn’t know how to stop it https://www.the-independent.com/tech/chatgpt-ai-therapy-chatbot-psychosis-mental-health-b2784454.html

[17] Google Is The World’s Most Profitable Company and The Top Ad Giant https://www.indmoney.com/blog/us-stocks/google-is-the-worlds-most-profitable-company-and-the-top-ad-giant

[18] Recovering from Social Media Addiction https://internetaddictsanonymous.org/internet-and-technology-addiction/social-media-addiction/

[19] What Does Facebook Know About Me (It's Scary) https://www.broadbandsearch.net/blog/what-facebook-knows-about-me

[20] The Important Role of Social Media During the COVID-19 Epidemic https://www.cambridge.org/core/journals/disaster-medicine-and-public-health-preparedness/article/important-role-of-social-media-during-the-covid19-epidemic/CF0B3DC60B5786AF65464F97253C6BA5

[21] AI chatbots are ‘juicing engagement’ instead of being useful, Instagram co-founder warns https://techcrunch.com/2025/05/02/ai-chatbots-are-juicing-engagement-instead-of-being-useful-instagram-co-founder-warns/

[22] Dangers of oversharing with AI tools https://www.foxnews.com/tech/dangers-oversharing-ai-tools

[23] Sam Altman’s goal for ChatGPT to remember ‘your whole life’ is both exciting and disturbing https://techcrunch.com/2025/05/15/sam-altmans-goal-for-chatgpt-to-remember-your-whole-life-is-both-exciting-and-disturbing/

[24] Some ChatGPT users are addicted and will suffer withdrawal symptoms if cut off, say researchers https://www.tomshardware.com/tech-industry/artificial-intelligence/some-chatgpt-users-are-addicted-and-will-suffer-withdrawal-symptoms-if-cut-off-say-researchers

[25] Orthodox Spirituality and the Technological Revolution https://anothercity.org/orthodox-spirituality-and-the-technological-revolution/ 

[26] Elder Paisios of Mount Athos Spiritual Counsels Volume 1: With Pain and Love for Contemporary Man by Holy Monastery Evangelist John the Theologian.

[27] The Struggle for Virtue: Asceticism in a Modern Secular Society by Archbishop Averky (Taushev)

[28] They Asked an A.I. Chatbot Questions. The Answers Sent Them Spiraling. https://www.nytimes.com/2025/06/13/technology/chatgpt-ai-chatbots-conspiracies.html (https://archive.ph/V98fY)

[29] Mark Zuckerberg’s dream for AI chatbots to become your friend is as unhealthful as ‘junk food,’ Hinge CEO says https://fortune.com/2025/06/26/mark-zuckerberg-ai-friends-hinge-ceo/

[30] ChatGPT Addiction and Withdrawal Symptoms: A New Digital Dependency https://blog.bestai.com/chatgpt-addiction-and-withdrawal-symptoms-a-new-digital-dependency-2/

[31] Hidden Persuasion: Unveiling the secrets of dark nudges https://social-change.co.uk/blog/hidden-persuasion-unveiling-the-secrets-of-dark-nudges

[32] Persuasive messaging to increase COVID-19 vaccine uptake intentions https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC8531257/

[33] How AI is building better gas stations and transforming Shell’s global energy business https://blogs.microsoft.com/ai/shell-iot-ai-safety-intelligent-tools/

[34] Transforming Supermarkets and Grocery Stores with AI https://www.oracle.com/retail/grocery/grocery-ai/

sexta-feira

Por que os cristãos do Oriente estão perdendo a terra de seus Santos? - Arquimandrita Gregorios (Estephan)

 



No Antigo Testamento aprendemos duras lições: por que Deus abandonou Seu próprio povo e o entregou nas mãos de seus inimigos, fazendo com que ele não apenas diminuísse, mas também fosse completamente exilado de sua terra, que passou a ser habitada por nações estrangeiras? 

A razão é dupla: Primeiro, a violação da fé, ou seja, o abandono da adoração ao Deus Único e Verdadeiro, e a queda para a adoração dos deuses das nações. Segundo, a violação dos Mandamentos divinos. E essa violação é a consequência inevitável do afastamento do Deus Verdadeiro. Quando as doutrinas que nos identificam quem é Deus são alteradas, os Mandamentos relacionados a Ele também mudam automaticamente.

No Novo Testamento, a questão do Deus Único e da pluralidade de deuses torna-se doutrinariamente encarnada no assunto da Igreja Única versus a multidão das chamadas igrejas. Cristo veio ao mundo e nos deixou uma Igreja e uma Fé; e essa tem sido a luta da Igreja até os dias de hoje: como preservar a verdade da Igreja Única, que é o Corpo de Cristo que não pode ser dividido. Se a Igreja não tivesse condenado diligentemente todo ensinamento distorcido e herético em seus Santos Concílios, ela não seria mais a Igreja. Cada pessoa acreditaria em um Cristo criado por ela mesma, e o cristianismo se tornaria uma religião pagã. Cristo está presente porque a Fé Apostólica ainda está presente e preservada na Fé Ortodoxa.

Assim, Deus abandona Seu povo quando Seu povo O abandona, porque Ele respeita a liberdade sagrada que deu ao homem. O principal problema é de fé, não de política ou economia. Os cristãos vendem a terra de seus pais e emigram porque seu senso de fé se enfraqueceu. Eles emigram devido à falta de fé, à falta de confiança em Deus e à falta de confiança em Sua providência - ou porque pensam apenas em riqueza material, não em riqueza espiritual. Uma Igreja espiritualmente fraca, que se rende ao espírito desta era, é completamente incapaz de fornecer qualquer alimento espiritual a seu povo. É por isso que a incredulidade se espalha entre as pessoas, que então migram, caem em muitos pecados e apostatam de Cristo.

Toda a corrupção, as doenças psicológicas e as influências demoníacas que estão aumentando de forma alarmante entre as pessoas - irresponsabilidade, aumento das taxas de divórcio, afastamento do casamento e, se elas se casam, deixam de ter filhos por medo do futuro - tudo isso é causado principalmente pela falta de fé. A Verdadeira Fé significa a entrega total a Deus diante dos obstáculos da vida. 

Quando nos arrependemos e obedecemos aos Mandamentos da Fé, essa certeza nasce dentro de nós: a de que Deus está conosco e em nós, e nunca nos abandonará. O arrependimento sempre esteve ligado à fé. Deus permite guerras e perseguições severas contra Seu povo, não para que eles temam e abandonem a terra de seus Santos, mas para provar sua fé e lembrá-los do arrependimento.

Ao longo da história, os cristãos deste Oriente sofreram perseguições muito mais severas do que as de hoje. Mas eles as enfrentaram com a simplicidade da fé e do arrependimento. Eles permaneceram em sua terra, não porque não pudessem emigrar - pois a conversão à religião de seus perseguidores muitas vezes vinha acompanhada de incentivos materiais e emocionais muito maiores do que a emigração moderna - mas porque sua firmeza não era fruto da força humana, mas de um poder divino invisível, da Graça de Deus. Nossos antepassados que nos transmitiram a fé nesta região eram humildes e gratos. Assim, eles aceitaram as perseguições como uma dispensação divina para conhecerem seus pecados e se arrependerem. Com profundo arrependimento e contrição, eles se voltaram para Cristo e para as intercessões de seus santos. Na simplicidade de sua fé e em sua firmeza nela, eles cresceram em arrependimento e amor a Deus, pois experimentaram em primeira mão a ajuda de seu Cristo, de sua Virgem e de todos os seus Santos, e a pronta resposta de suas orações.

Muitos bispos e padres de hoje, em vez de pregarem sobre fé e arrependimento, geralmente pregam contra o "fanatismo religioso." Consciente ou inconscientemente, eles matam a fé no coração de seu povo. A adesão persistente às doutrinas exatas da fé não é fanatismo - é um mandamento de Deus e dos Concílios da Igreja. Somente a fidelidade às leis da (Verdadeira) Fé pode nutrir a fé do povo e preservar a Igreja de erros e desvios. Os sermões que se concentram apenas na moralidade, negligenciando as questões da fé, espalham uma crença superficial entre as pessoas. A fé superficial em Deus não possui arrependimento algum e morre gradualmente na alma, pois não possui profundidade espiritual.

Esse arrependimento deriva da fé, não de nós mesmos. E a força da fé recebemos de Deus, não dos homens. O poder de Deus está presente exclusivamente em Sua Igreja. Na verdade, o Espírito sopra onde quer, mas não para levar ao erro ou ao desvio aqueles em quem Ele opera, e sim para conduzi-los à verdade e à única Igreja verdadeira, que detém a plenitude da verdade.

A Igreja é a primeira responsável por tudo o que acontece ao seu povo. A obediência do bispo e do padre à Igreja e sua fé, é o que ensina o povo a amar a Igreja e a ser-lhe obediente. O arrependimento do bispo e do padre ensina o seu povo a arrepender-se, e a amar a Deus e os Seus Mandamentos. Os verdadeiros fieis, quando veem seu bispo obediente às leis e à fé da Igreja, se alegram com ele e lhe obedecem com gratidão. Mas quando o veem transgredindo, sua confiança nele — e na Igreja — é abalada. Os bispos e os padres são aqueles que mais precisam de arrependimento. Eles devem chorar por seus pecados e pelos pecados de seu povo. Eles não são senhores desta era, mas penitentes. O arrependimento abre os olhos internos de sua mente (nous) e para conhecer a vontade de Deus: que [nos mostra que] a crise que os cristãos estão enfrentando neste Oriente está enraizada na fé e no abandono de Deus, não em circunstâncias opressivas ou na política mundial.

Por que os cristãos estão perdendo sua presença neste Oriente? Não é porque estão perdendo a Graça de Deus? E o que confirma essa perda da Graça é sua rendição ao espírito do ecumenismo e da modernização. Esse espírito ecumenista mata o arrependimento na alma humana, porque antes mata o amor pela fé Ortodoxa nessas almas. Na Ortodoxia, o amor de Deus vem de uma única fonte: a Igreja e sua fé. O amor de Deus não é emocional, como os racionalistas o retratam, mas divino — é o fruto da efusão da Graça Divina em uma alma que é fiel a tudo o que Deus revelou à Sua Igreja.

O Deus dos Ortodoxos não é deste mundo. Ele não busca números para se vangloriar em poder ou glória fútil. Ele busca testemunhas de Si mesmo e da Verdade eterna que confiou à Sua Igreja. Deus nos abandona - Seu próprio povo - porque nos tornamos um povo teimoso que se rende ao espírito dos tempos. Um povo que não quer preservar a fé que lhe foi transmitida ou prestar testemunho da Verdade. Não digam que nos tornamos poucos neste Oriente; nosso Cristo não trabalha por meio de multidões ou números, mas por meio da Verdade. É por isso que Ele disse: “Eu vim ao mundo para dar testemunho da Verdade”. A emigração de nosso povo indica abandono mútuo: as pessoas se afogam na globalização religiosa e não dão testemunho da Verdade, e o resultado inevitável é que Deus as abandona.

Quando o povo do Antigo Testamento temeu por sua existência e fez alianças com nações estrangeiras para garantir sua terra, Deus o abandonou e o dispersou. Mas quando eles reconheceram seu pecado e apostasia, arrependeram-se e confiaram somente em seu Deus, Ele os restaurou à sua terra e os multiplicou nela.

Será que nós, neste Oriente, voltaremos a confiar somente no Deus de nossa fé Ortodoxa - a única fé que nunca foi alterada ou transformada? Que nos seja concedida uma parte desse arrependimento, e que Deus se lembre de nós em nossa terra, preserve o remanescente entre nós e nos multiplique novamente nela.

Assim como a salvação eterna requer apenas fé Ortodoxa e arrependimento sincero, também nossa presença contínua neste Oriente depende desses dois elementos: fé Ortodoxa pura e arrependimento Ortodoxo.

Fortaleça seu povo em sua Ortodoxia, ó bispos e sacerdotes de Deus, para que Deus possa fortalecê-lo em sua terra. Não permitam que a fé e a salvação sejam reduzidas a conceitos sociais-humanistas, mas que permaneçam divinas, pois são do Senhor e para Ele. Não misturem nossa sagrada Ortodoxia com todos os desvios nascidos do orgulho humano. A Ortodoxia é Verdade e é Luz. Ela é uma Luz para as nações que buscam a Verdade. Que essa luz brilhe para o mundo. O mundo precisa dessa luz para contemplar o Verdadeiro Deus; o mundo precisa da Verdade como uma escada confiável para a salvação. Deus é Aquele que nos colocou neste Oriente, com muitos talentos espirituais, para prestarmos testemunho do verdadeiro Deus. Não os enterremos. Transformemos esta terra, na qual nos esforçamos para permanecer, de uma terra de apostasia em uma terra abençoada por testemunhar a Verdade e a fé de nosso Senhor Jesus Cristo.


quinta-feira

"Intercomunhão": Pode um não Ortodoxo receber a Santa Comunhão em uma Igreja Ortodoxa? - São Justino de Celije

 


Por São Justino de Celije

O ensinamento da Igreja Ortodoxa, [A Igreja] do Deus-Homem Cristo, formulou o seguinte sobre os hereges, através dos Santos Apóstolos, dos Santos Padres e dos Santos Sínodos: as heresias não são uma Igreja, nem podem ser. Elas não podem ter os Santos Mistérios, especialmente o Sacramento da Eucaristia, o Sacramento dos Sacramentos. Precisamente porque a Santa Eucaristia é tudo e todos na Igreja: até mesmo o Deus-Homem, Nosso Senhor Jesus Cristo, e a própria Igreja e tudo em geral do Deus-Homem.


A intercomunhão, ou seja, participar com os hereges nos Santos Mistérios, e especialmente na Santa Eucaristia, é a traição mais vergonhosa a Nosso Senhor Jesus Cristo, a traição de Judas. É especialmente uma traição à Igreja Una e única de Cristo, [uma traição] à Santa Tradição da Igreja. Para fazer isso, seria necessário livrar-se da maneira cristã de pensar e da consciência, diante dos vários Mistérios, diante de seus significados sagrados e dos santos Mandamentos. 


Em primeiro lugar, teríamos que nos perguntar em que eclesiologia e em que teologia da Igreja se baseia a “intercomunhão”? Isso porque toda a teologia Ortodoxa não se funda nem se baseia na “intercomunhão”, mas na realidade teantrópica da comunhão, ou seja, na própria Comunhão teantrópica. (1 Coríntios 1:9; 10:16-17; 2 Coríntios 13:7-13; Hebreus 2:22:14; 3:14; João 1:3) A ideia de intercomunhão é contraditória em si mesma e totalmente inconcebível para a consciência Católica Ortodoxa. O segundo fato, realmente um fato sagrado da fé Ortodoxa, é o seguinte: No ensino Ortodoxo sobre a Igreja e os Mistérios, o mistério mais singular é a própria Igreja, o Corpo do Deus-homem Cristo, de modo que ela é a única fonte e o conteúdo de todos os Mistérios divinos. Fora deste Mistério teantrópico e inclusivo da Igreja, o próprio Pan-Mistério, não há e não pode haver quaisquer “mistérios”; portanto, não pode haver intercomunhão de Mistérios. Consequentemente, só podemos falar sobre Mistérios dentro do contexto deste Pan-Mistério único que é a Igreja. 


Isto porque a Igreja Ortodoxa, como Corpo de Cristo, é a fonte e o fundamento dos Mistérios e não o contrário. Os Mistérios, ou Sacramentos, não podem ser elevados acima da Igreja, nem examinados fora do Corpo da Igreja. Por causa disso, de acordo com o pensamento da Igreja Católica de Cristo e de acordo com toda a Tradição Ortodoxa, a Igreja Ortodoxa não reconhece a existência de outros Mistérios ou Sacramentos fora de si mesma, nem os reconhece como sendo Mistérios, e ninguém pode receber os Sacramentos até que se afaste das “Igrejas” heréticas, ou seja, das pseudo-Igrejas, através do arrependimento à Igreja Ortodoxa de Cristo. Até então, eles permanecem fora da Igreja, sem união com ela através do arrependimento, e é, no que diz respeito à Igreja, um herege e, consequentemente, fora da comunhão salvadora. Isto porque “que comunhão tem a justiça com a injustiça e que comunhão tem a luz com as trevas?” (2 Cor. 6: 14)


Orthodox Faith and Life in Christ, pg 173-174

A Morte de um Herege - Santo Atanásio, o Grande

 


"Eu não estava em Constantinopla quando ele morreu; mas Macário, o presbítero, estava lá, e com ele fiquei sabendo de todas as circunstâncias. O imperador Constantino foi induzido por Eusébio e seu grupo a mandar chamar Ário. Ao chegar, o imperador lhe perguntou se ele mantinha a fé da Igreja Católica. Ário, então, jurou que sua fé era Ortodoxa e apresentou um resumo por escrito de sua crença, ocultando, no entanto, as razões de sua expulsão da Igreja pelo bispo Alexandre e fazendo um uso desonesto da linguagem da Sagrada Escritura. Quando, portanto, ele declarou sob juramento que não sustentava os erros pelos quais havia sido expulso da Igreja por Alexandre, Constantino o dispensou, dizendo: “Se tua fé é Ortodoxa, juraste bem; mas se tua fé é ímpia e ainda assim juraste, que Deus do céu te julgue”. Quando ele deixou o imperador, os partidários de Eusébio, com sua violência habitual, desejaram conduzi-lo à igreja; mas Alexandre, de abençoada memória, bispo de Constantinopla, recusou sua permissão, alegando que o inventor da heresia não deveria ser admitido à Comunhão. Por fim, os partidários de Eusébio proferiram a ameaça: “Assim como, contra a sua vontade, conseguimos convencer o imperador a mandar buscar Ário, agora, mesmo que o senhor o proíba, Ário comungará conosco, amanhã, nesta Igreja”.


Foi no sábado que eles disseram isso. O bispo Alexandre, profundamente entristecido com o que ouvira, entrou na Igreja e derramou suas lamentações, levantando as mãos em súplica a Deus e lançando-se com o rosto no pavimento do Santuário, orou. Macário entrou com ele, orou com ele e ouviu suas orações. Ele pediu (a Deus) uma de duas coisas. Se Ário“, disse ele, ”vai se unir à Igreja amanhã, deixe-me que eu, Teu servo, parta, e não destrua os piedosos com os ímpios. Se quiseres poupar Tua Igreja, e eu sei que a poupas, olha para as palavras dos seguidores de Eusébio e não entregues Tua herança à destruição e à vergonha. Remova Ário, para que, se ele entrar na Igreja, a heresia não pareça entrar com ele, e a impiedade não seja mais considerada piedade". Depois de orar dessa forma, o bispo deixou a Igreja profundamente ansioso, e então ocorreu um evento impressionante e extraordinário. 


Os seguidores de Eusébio haviam se lançado em ameaças, enquanto o bispo recorria à oração. Ário, encorajado pela proteção de seu partido, proferiu muitos discursos triviais e tolos, quando de repente foi compelido por um “chamado da natureza” a se retirar, e imediatamente, como está nas Escrituras, caindo de cabeça, ele se arrebentou no meio, e abandonou o espírito, sendo privado imediatamente tanto da Comunhão quanto da vida. 


Esse, então, foi o fim de Ário. 


Eusébio e seus companheiros, dominados pela vergonha, enterraram seu cúmplice, enquanto o abençoado Alexandre, em meio aos regozijos da Igreja, celebrava a Comunhão com piedade e Ortodoxia, orando com todos os irmãos e glorificando grandemente a Deus, não como se exultasse em sua morte , pois “a todos os homens está ordenado morrerem uma vez por todas” (Hebreus 9:27), mas porque esse evento havia sido demonstrado de uma maneira que transcendia os julgamentos humanos. Pois o próprio Senhor, julgando entre as ameaças de Eusébio e seus companheiros, e a oração de Alexandre, condenou a heresia ariana, mostrando que ela era indigna de comunhão com a Igreja, e tornando manifesto a todos que, embora recebesse o apoio do imperador e de toda a humanidade, ainda assim era condenada pela própria Verdade. Assim, foi demonstrado que o bando anticristão dos loucos arianos era desagradável a Deus e impiedoso, e muitos dos que antes eram enganados por ele mudaram de opinião. Pois ninguém menos do que O Próprio Senhor, que foi blasfemado por eles, condenou a heresia que se levantou contra Ele, e novamente mostrou que, por mais que o imperador Constâncio possa agora usar de violência contra os bispos em favor dela, ainda assim ela é excluída da comunhão da Igreja e alheia ao Reino dos Céus. 


Portanto, que a questão que surgiu entre vós seja doravante resolvida (pois este foi o acordo feito entre vós), e que ninguém se junte à heresia, mas que mesmo aqueles que foram enganados se arrependam. Pois quem receberá o que o Senhor condenou? E não será culpado de grande impiedade, e manifestamente inimigo de Cristo, aquele que se apoiar naquilo que Ele excomungou?




segunda-feira

Deficiência Intelectual e a Liturgia Celestial - Pe Stephanos Anagnostopoulos

 



Há algum tempo, um certo liturgista do Deus Altíssimo compartilhou comigo uma revelação divina e espiritual que ele experimentou. Minha Presvytera também o conheceu. Embora estivesse acamado com dores e tivesse sofrido uma espécie de martírio, ele não apenas glorificou e agradeceu a Deus pelo martírio corporal por causa de sua doença, mas implorou continuamente a Cristo que o salvasse, como o pecador mais miserável, com as palavras “Eu te agradeço, meu Cristo, e tem misericórdia de mim, pecador. Senhor Jesus Cristo, tenha piedade de mim, pecador, e eu lhe agradeço por tudo...” Dia e noite, a cada hora, a cada segundo, às vezes em um sussurro, às vezes internamente com sua razão interior, sempre com o cordão de oração na mão e, em outras ocasiões, do fundo do coração, ele experimentava a felicidade completa e divina, conforme confessava. A felicidade era tão intensa que, muitas vezes, ele sentia como se fosse explodir, rasgando suas entranhas, mas sentia que era um abraço inesgotável e celestial, no qual desejava encaixar o mundo inteiro para que todos pudessem saboreá-lo, especialmente aqueles que vivem uma vida distante de Deus... Certa vez, a riqueza dessa oração paradoxal e noética foi tão grande que seu nous foi arrebatado (ele não sabia como...), levando-o a um estado de theoria, e ele se viu no reino de Deus, onde no fundo estava o Trono de Deus, todo LUZ e GLÓRIA! 


No entanto, essa luz da glória de Deus era tão ofuscante que nem mesmo os poderes celestiais dos anjos e arcanjos eram capazes de contemplá-la, mas, com as cabeças inclinadas e com incensários radiantes revestidos de ouro, censuravam o trono divino de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, sua alma estava sendo informada de que esses poderes celestiais e sem corpo são os  Os mesmos que desejam ardentemente não apenas ouvir a voz evangélica de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, mas também contemplar sobrenaturalmente - se lhes for permitido - “contemplar com seus próprios olhos a presença da sagrada Oblação, e desfrutar sobre esta terra e sobre o Santo Altar a inspiradora, divina e sagrada Liturgia”, como afirma a quinta oração do Mistério da Santa Unção. Junto com os anjos que incensavam e estavam ao redor do Trono de Deus, esse ancião sacerdote “viu” (repito, com os olhos de sua alma) o coro dos santos Apóstolos, que também tinham incensários nas mãos. 


Ao redor deles estava o coro dos grandes hierarcas e mestres universais da fé, o número incontável de hieromártires, os milhares e milhares de bispos, presbíteros, hieromonges e diáconos, que foram tornados dignos do Reino de Deus... e todas essas miríades de clérigos santificados incensando com majestade, mas também com humildade, temor e amor perfeito, junto com os Apóstolos, diante do Trono Celestial da Glória de Deus! E então! Pouco tempo depois, os olhos de sua alma ficaram maravilhados e puderam contemplar a majestade do Senhor - ó, meu Deus, como Tu és majestoso! ó, quão grande é a Tua justiça, meu Cristo! ó, quão grande é a Tua longanimidade - e ele pôde ver CERTAS e incontáveis almas incensando o Trono de Deus com incensários de ouro. 


Mas quem eram essas almas? 


Eram aquelas que foram tratadas com desprezo neste mundo, tais como... os deficientes mentais; os jovens e os idosos que sofrem de Síndrome de Down; crianças deficientes com problemas cognitivos e também com paralisia corporal; e, em geral, todas as pequenas almas que foram tratadas com desprezo neste mundo e foram  zombado por serem “simplórios”, muitas vezes tendo sido institucionalizados, às vezes em hospitais psiquiátricos.


Juntamente com os santos, essas eram as almas que incensavam o Trono de Deus, e não nós, os supostos bons cristãos com nossas supostas boas ações... Não nós, que proclamamos que amamos o mundo inteiro, mas secretamente pecamos, mas os deficientes mentais e, especialmente, as crianças com deficiência mental! E todas essas almas doces estavam adornadas com vestes brancas brilhantes e radiantes, enquanto as miríades do clero, de acordo com sua santidade, seus esforços e seu grau de glorificação, possuíam vestes douradas e radiantes. O brilho de cada um era diferente do brilho do outro. Cada alma exalava sua própria glória. Mas eis que - repito - o elemento mais surpreendente dessa visão divina foi que, juntamente com o coro dos Apóstolos, os grandes Hierarcas, os Padres portadores de Deus, os Hieromártires, os ilustres bispos, sacerdotes e diáconos ao longo dos 20 séculos que se passaram, estava o fato de que as crianças com deficiência mental também estavam incesando diante do Trono, banhadas (como meu próprio Ancião enfatizou em minha recente visita a ele) em LUZ, SABEDORIA e GLÓRIA inefável! Muita glória, muita sabedoria e muita Luz, semelhante aos santos! Ao mesmo tempo, cada cristão fiel e batalhador que experimenta a energia da oração noética do coração, juntamente com devoção e vigilância completas, torna-se ele mesmo Luz completa! Essa pessoa entra na Nuvem de Deus e se torna participante da Luz do Tabor!


The Jesus Prayer: For Those Living in the World, pg 255-257



sexta-feira

"Psicoterapia humanista e Psicoterapia Ortodoxa" - Metropolita Hierotheos de Nafpaktos





"Psicoterapia humanista e Psicoterapia Ortodoxa" - 

Metropolita Hierotheos de Nafpaktos



 A Doença da alma

Quando a alma de uma pessoa é dominada pelas paixões, que são principalmente os impulsos antinaturais dos poderes da alma, e quando ela é incapaz de ver Deus como Luz, ela está espiritualmente doente. 


Basicamente, a psicologia moderna, a psicanálise e a psicoterapia consideram o conflito interno ou até mesmo as experiências reprimidas e os traumas do passado, que são armazenados no chamado subconsciente e causam vários distúrbios, como uma doença. Por exemplo, Freud dividiu a alma-psique humana em três partes. A primeira é a mente consciente, que inclui tudo o que a pessoa vivencia em um determinado momento. A segunda parte é o subconsciente, que compreende tudo o que a pessoa vivenciou no passado e sobre o qual não está pensando no momento, mas que pode ser relembrado à sua mente consciente sempre que desejar. A terceira parte é o inconsciente, no qual permanecem vários eventos, ações e experiências que a pessoa viveu no passado, mas que ela reprimiu nas profundezas de sua alma - psique, em seu inconsciente. No entanto, embora reprimidas, essas coisas estão ativas e querem retornar à mente consciente. 


Tudo o que é esquecido ou reprimido no inconsciente cria problemas na alma-psique, mas quando eles são trazidos para a mente consciente, a pessoa se acalma e é curada. O psicanalista ou psicoterapeuta ajuda nesse processo, usando um método especial de psicanálise. Os Santos Padres, entretanto, ensinam que a doença da alma não é apenas uma questão de experiências reprimidas que criam conflitos internos, mas a corrupção dos poderes da alma, particularmente o amortecimento e o escurecimento do nous*. O nous não vê Deus nem tem comunhão com Ele e, quando fica doente, dá origem a todos os tipos de estados doentios. Todas as faculdades naturais da alma são prejudicadas e, dessa forma, as paixões se desenvolvem. 


O Padre John Romanides, referindo-se à oração noética e ao nous do homem, que quando purificado tem uma lembrança incessante de Deus, faz as seguintes observações características: “Todo esse assunto em discussão está relacionado à descoberta do subconsciente do homem pelos europeus, por meio de Sigmund Freud e seus seguidores psicanalistas, e com a percepção de que o homem é mais do que apenas uma mente. Há aspectos e experiências ocultos do entendimento do homem que, sob pressão das regras éticas e outras regras e tradições de bom comportamento vigentes, foram esquecidos pela mente, mas estão latentes no subconsciente e inevitavelmente influenciam seus julgamentos, justificativas e ações. 


O subconsciente, conforme entendido pelos psicanalistas, no entanto, é visto como resultado de uma condição psicológica anormal, a ser curada, pelo menos inicialmente, revelando e descobrindo o que está oculto. A impressão dada é que o subconsciente, como os psiquiatras o veem, na verdade consiste nessas tendências ocultas e esquecidas, orientadoras, naturais ou implantadas, em vez de ser uma faculdade da alma distinta da faculdade racional.


Ao contrário da visão da psicanálise contemporânea, na Tradição Ortodoxa, o nous se envolve com a faculdade racional e as paixões quando está em um estado anormal ou decaído. Entretanto, ele é claramente distinto da faculdade racional quando funciona como pretendido pela Energia e Graça de Deus, e quando as anormalidades ocultas na natureza humana são reveladas e curadas. Os psicanalistas acreditam que o subconsciente, como um conjunto oculto de tendências naturais reprimidas, contrárias aos princípios morais e sociais, que fizeram com que fossem suprimidas e esquecidas, deve ser eliminado por meio da liberação dessas tendências naturais reprimidas. 


Em outras palavras, a psicanálise não sabe nada sobre a distinção entre a faculdade racional e o nous, ou a transformação do amor-próprio em amor livre de interesses próprios, por meio da iluminação do nous por meio da oração noética.”


A enfermidade, de acordo com os Santos Padres, é o amortecimento, a morte e o escurecimento do nous. Nesse estado, o nous do homem não funciona bem. Ele é confundido e identificado erroneamente com a faculdade racional, as paixões e seu ambiente. Essa anomalia é a causa de todos os chamados problemas psicológicos. Os psicólogos e psicanalistas seculares contemporâneos não têm um conhecimento preciso desse estado e, portanto, são incapazes de entender os problemas reais das pessoas. 


De acordo com São Simeão, o Novo Teólogo, a menos que a alma do homem seja ativada pelo Espírito Santo, que é a Alma da nossa alma e o Nous do nosso nous, ela está morta. Ele escreve: “Assim como é impossível para o nosso corpo, doente ou não, mover-se ou mesmo viver sem uma alma, assim também a alma, pecando ou não, está morta e é completamente incapaz de viver a vida eterna sem o Espírito Santo...” Essa passagem de São Simeão é muito significativa. Ela mostra claramente que a alma está enferma quando o Espírito Santo está ausente. 


Há também outro ponto importante. Mesmo que alguém não peque, sem o Espírito Santo ele está morto ou enfermo. Assim, na Tradição Ortodoxa, mesmo que alguém seja psicologicamente equilibrado e não tenha conflitos internos, sem o Espírito Santo ele está doente e morto. De acordo com São Simeão, o Novo Teólogo, não são apenas as pessoas com conflitos psicológicos que estão enfermas, mas principalmente aquelas que têm o demônio vivendo dentro delas, “que é o tesouro maligno”. Não são simples pensamentos e lembranças do passado, que a mente não foi capaz de classificar ou que esqueceu e reprimiu, mas a presença do espírito maligno, a presença de um ser pessoal, que cria toda essa anormalidade. A enfermidade da alma significa algo completamente diferente, nos escritos dos Padres, de seu significado na psicologia e psicoterapia modernas. 


A Cura da Alma 


Tendo considerado a saúde e a enfermidade da alma, podemos também analisar como a cura da alma é entendida na Tradição Ortodoxa. Curar a alma significa, antes de mais nada, reviver e iluminar o nous. Não é apenas uma questão de revelar experiências suprimidas. São Diadocos de Photiki escreve: “Somente o Espírito Santo pode purificar o nous”. Somente quando Aquele que é poderoso entra na alma, Ele pode libertá-la. O nous é revivido por meio da Energia da Graça Divina, mas também com a cooperação do homem: Deus age e o homem colabora. Veremos agora algumas maneiras de curar o nous, que são diferentes dos métodos indicados pela psicoterapia moderna.


Foi mencionado pela primeira vez, em um capítulo anterior, que Barlaam afirmava que a santidade e a perfeição não poderiam ser encontradas “sem distinções lógicas, raciocínio e análise”. São Gregório Palamas respondeu que essa visão era “uma heresia dos estóicos e pitagóricos”. Pelo contrário, somos curados quando nosso nous se torna “livre de presunção e maldade” por meio do arrependimento diligente e do ascetismo intenso. Barlaam foi obviamente influenciado pela visão psicológica de Agostinho. 


São Gregório, o Teólogo, reprova aqueles que tentam curar suas almas tomando remédios. Alguém que sofre de uma doença do sistema nervoso pode certamente tomar medicamentos, sob a orientação de um especialista, para ajudar o corpo, mas não pode curar a doença do nous dessa maneira. Que remédio comum pode trazer o Espírito Santo para nossa alma? O único remédio salvador é a graça de Cristo.


São Gregório diz: “Por que você procura remédios que não farão bem?... Cure-se antes que se torne urgente; tenha piedade de si mesmo, o único verdadeiro curador de sua doença; aplique a si mesmo o remédio verdadeiramente salvador”. O remédio salvador e necessário para a doença da alma é Cristo: “Se você receber todo o Verbo, trará sobre sua própria alma todos os poderes de cura de Cristo, pelos quais cada um [dos doentes mencionados no Evangelho] foi curado separadamente." 


São Simeão, o Novo Teólogo, aborda a mesma questão. Já mencionei seu ensinamento de que a alma não pode ser curada por remédios, mas somente pela ação da Graça divina. Aqui descreverei algumas maneiras pelas quais, de acordo com o ensinamento de São Simeão, o Novo Teólogo, o nous amortecido pelo pecado pode ser curado. Deus, diz ele, é fogo, e naqueles em quem esse fogo é aceso, “ele se eleva em uma grande chama e alcança os céus, e não permite que aquele que foi assim incendiado fique ocioso ou descanse”. Essa ação do fogo ocorre “com percepção e consciência e, no início, com uma dor insuportável”. No entanto, uma vez que a alma tenha sido purificada das paixões, “ele se torna alimento e bebida, iluminação e alegria ininterrupta dentro de nós e, pela participação, faz com que nós mesmos nos iluminemos”. 


Aqueles que receberam esse fogo da Graça Divina “não apenas foram completamente libertados de todas as doenças da alma, mas também libertaram muitos outros, cujas almas estavam doentes e enfermas, das redes do demônio, curando-os e apresentando-os como presentes a Cristo, o Senhor”. Eles aprenderam todo tipo de conhecimento e habilidade com esse fogo. É somente quando a Graça de Deus se inflama em nosso coração que somos libertados de todas as doenças de nossa alma.


Mais importante ainda é o fato de que, depois de sermos curados, podemos curar outras pessoas. Como podemos curar as pessoas a menos que tenhamos aprendido a ciência e a arte da cura a partir do efeito do fogo em nossa própria alma? Somente o verdadeiro arrependimento, por meio da Confissão e das lágrimas, purifica a ferida e a cicatriz que o aguilhão da morte deixou no coração. “Então, ele expulsa e mata o verme que nele se aninha, e restaura a ferida para completa cura e perfeita saúde.” Essas feridas são curadas por aqueles que se esforçam com arrependimento, confissão e lágrimas, enquanto os outros “na verdade têm prazer nessas feridas”. Essa penitência abrangente ocorre por meio da ação do Espírito Santo naqueles que vivem na Igreja. Aqueles que não têm esse arrependimento preservam as feridas de sua alma em vez de curá-las. Somente o arrependimento profundo transforma todos os problemas psicológicos em estados espirituais e cura nossa alma. Assim, São Simeão se volta para Deus e busca a cura nEle:


“Fui para longe, Amante da Humanidade, e habitei no deserto

E me escondi de Ti, meu doce Senhor;

Fui enganado pelos cuidados desta vida

E sofri muitas picadas e golpes como resultado.

Volto trazendo muitas feridas em minha alma,

E clamo em minha dor e na angústia de meu coração:

Tenha misericórdia, tenha piedade de mim, um transgressor.”



fonte

*Nous: O termo tem vários usos nos ensinamentos dos Patrísticos. Ele indica a alma ou o coração, ou até mesmo uma energia da alma. No entanto, o nous é principalmente o olho da alma, a parte mais pura da alma, a atenção mais elevada. Também é chamado de energia noética e não é identificado com a razão.

O nous humano é o “olho do coração ou da alma” ou a “mente do coração”. O nous é o nutridor da alma, sendo que seu funcionamento natural encontra-se na captação do que é Divino, atingindo sua verdadeira função quando o homem une-se a Deus. Mas, sendo um órgão espiritual que lida com os conceitos, pensamentos e imagens, quando em funcionamento antinatural, disperso entre as coisas do mundo, o nous insere diretamente na alma e no coração todo esse conteúdo nocivo, o que acaba por adoecer a alma como um todo. Estar atento aos movimentos do nous é primordial pois, após a Queda do Homem, o nous encontra-se obscurecido. 

Em seu estado natural, todos os pensamentos oriundos do mundo devem ser expulsos do nous. E para isso, ele deve ser purificado. "...purificar o nous não é simplesmente uma questão de encontrar os pensamentos que entraram nele, mas de expulsá-los, o que não é alcançado por meio de pensamentos e análises racionais, mas somente através da Oração de Jesus." (Metropolita Hierotheos de Nafpaktos)